terça-feira, 23 de novembro de 2010

A Doutrina da Justificação pela Fé no Contexto do Antigo Testamento

Autor: Claudio Luis de Souza

Para que se entenda a doutrina da justificação, é necessário ter um embasamento do termo justiça no Antigo Testamento. Portanto, encontram-se alguns termos como:  xqaedaaec (tsedãq),[1]  que apresenta um sentido de tornar justo. Encontra-se também o termo qdece (tesedeq), que tem o sentido de retidão. Este termo expressa retilineidade resultante num termo moral, da mesma forma como “cânon, vara ou régua de medir”.[2]
Segundo Lothar Cornen e Colin Brown, o termo justiça no Antigo Testamento é uma questão de relacionamento:

A Justiça não é uma questão de ações que conformam a um determinado conjunto de padrões legais absolutos, mas sim, de comportamento que está em e conformidade bidirecional entre Deus e o homem.[3]

É neste sentido, que o termo justiça implica em relacionamento entre Deus e o homem. O que se entende é que o homem só pode ser justificado, ou declarado justo, mediante o ato soberano de Deus que imputa a sua justiça. O homem neste contexto é justo (tsaddig), pois procurava preservar a paz e a prosperidade da comunidade cumprindo os mandamentos divinos acerca do povo.[4] No sentido supremo, justo (tsaddig) é aquele que serve a Deus Ml. 3:18,[5] neste caso, quando o homem segue a Deus, diz-se que a retidão habita nele e na cidadela, conforme Is. 1:21. Seguindo essa semântica do termo: ser justo é, na verdade, quando o homem cumpre as normas e exigências que Deus lhe confere, ou seja, a justiça é uma relação, onde o homem depende de corresponder essa relação determinada por Deus. John Stott ressalta que “no Antigo Testamento, as pessoas eram certamente justificadas pela graça através da fé”.[6] A exemplo desse fato encontramos a justificação em Abraão, que com a sua fé foi colocado a prova, recebendo o sinal da justiça divina porque creu em Deus, como relata Gn, 15:1-6. Sendo assim, Abraão jamais foi justificado pela lei. A lei, segundo Vangemeren, veio confirmar as promessas, na qual Abraão como ato de obediência a Deus, obedeceu, guardou os preceitos, mandamentos, decretos e as leis de suas leis.[7]
Sendo assim, o que Deus desejava de Abraão era uma inteira confiança em transformá-lo pai de uma grande nação. A justificação neste caso se dá pelo fato que Abraão cumpriu as exigências de Deus pela fé. Assim, ele creu que seria pai de uma grande nação, e, com isso, Deus lhe imputou a sua justiça, uma vez que, a fé de Abraão foi satisfatória para um relacionamento que lhe proporcionou o selo da promessa. A fé é o elemento chave, ou seja, é o meio para que a pessoa tenha um relacionamento justificado diante de Deus, conforme descreve Gn. 15:6 “Abraão creu em Deus, e isso foi lhe imputado com justiça”. George Eldon Ladd aborda os termos da seguinte forma:

Basicamente, “justiça” é um conceito de relacionamento. É justo quem cumpriu as exigências colocadas sobre si pelo relacionamento em que encontra. Não é uma palavra que designa o caráter ético pessoal, mas a fidelidade a um relacionamento.[8]

Assim sendo, o homem só pode ser justo, quando, no juízo de Deus, ele encontra o padrão divino que determina o seu relacionamento com o próprio Criador. Abraão encontrou esse padrão pela fé e não pelas obras ou pelo valor ético e moral. Embora, o termo em hebraico apresente um sentido múltiplo, que apontam outros significados, como o sentido ético, em que se pode entender que ser justo é aquele na qual se confere retidão. A palavra, nesse caso, não significa uma qualidade ética e, tampouco, uma qualidade pessoal. O contexto se refere a uma relação de fé, e, dentro desse contexto, Abraão foi justificado por Deus pela graça e misericórdia em fazer dele o pai de uma grande nação.
A análise do termo justiça no Antigo Testamento remete a um conceito relacional que implica em viver o padrão de conduta determinado por Deus. Este padrão é um reflexo da própria natureza de Deus como um ser soberano e justo que estabelece a relação com as suas criaturas. Sendo assim, o homem que é pecador, é quem carece da justiça de Deus como recompensa de uma relação ao pacto e às promessas feitas a Abraão.
Pode-se dizer, então, que a fé de Abraão, constitui o primeiro esboço da fé cristã no contexto do Antigo Testamento, no que resulta afirmar que a justificação é um atributo de Deus, em cumprimento à sua promessa, concedida ao homem, que, por sua vez, não tem condições de alcançar a justiça de Deus através de seus próprios méritos, mas responde de forma positiva através da fé, crendo nas promessas feitas e vivendo um relacionamento que caracteriza uma vida justificada diante do Criador.


[1] HOEKEMA, Anthony. Salvos Pela Graça – p. 159
[2] CORNEN, Lothar, BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento – p.1262
[3] CORNEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento – p. 1120
[4] CORNEN Op.Cit,  p. 1263
[5] Ibid., p. 1263
[6] STOTT, John. Ouça o Espírito ouça o mundo. p. 140
[7] VANGEMEREN, Willem A. Coleção Debates Teológicos Lei e Evangelho,  p. 20 e 21 Em. Gundrym Stanley (editor)
[8] LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento, p. 411

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