terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Ortodoxia Protestante: um desafio à teologia e à Piedade



Hermisten Maia Pereira da Costa
INTRODUÇÃO
Quando escrevemos história, devemos ter em mente que nos é impossível atingir a origem absoluta de todas as coisas, inclusive do nosso assunto.(1) O que podemos fazer é, quem sabe, uma alusão àqueles fatos e períodos que, por sua fecundidade, foram, dentro de nossa perspectiva, de extrema relevância para o tema ou período por nós tratado, sabendo contudo que estes são decorrentes de outros e outros.(2) Logo, a escolha do nosso tema não é gratuita. Por outro lado, é claro que seguir um caminho interpretativo não é o mesmo que gostar dele ou idealizá-lo, mas sim colocar o que nos parece mais razoável, mesmo que essa rota, obviamente, não seja necessariamente a melhor ou a única possível.(3) Nessa interpretação, devemos estar sempre atentos às observações preliminares de Jacob Burckhardt (1818-1897), ao tratar do Renascimento:
Os contornos espirituais de uma época cultural oferecem, talvez, a cada observador uma imagem diferente, e, em se tratando do conjunto de uma civilização que é a mãe da nossa e que sobre esta ainda hoje segue exercendo a sua influência, é mister que juízo subjetivo e sentimento interfiram a todo momento tanto na escrita como na leitura desta obra.(4)
A teologia, apesar de tratar de questões eternas e supra-racionais, lançando-se rumo ao infinito e ultrapassando em muito a nossa capacidade visual, ocorre numlocus temporal, com toda a sua complexidade de efeito-causa de ontem-hoje-amanhã. Por isso, partimos do pressuposto de que a Ortodoxia Protestante foi um período magnífico da história do pensamento protestante do qual todos somos herdeiros, ainda que poucos estejam dispostos a admitir ou, quem sabe, tenham condições de perceber.
I. Definindo Termos
"Ortodoxia" é uma transliteração da palavra grega o)rqodoci/a, que é composta por duas outras: o)rqo/j, "certo", "direito" (At 14.10; Hb 12.13) e do/ca, "opinião", "doutrina". A palavra o)rqodoci/a não aparece nas Escrituras nem nos escritos seculares ou cristãos até o segundo século,(5) no entanto, o sentido já está implícito em Paulo. Em Gálatas 2.14, ele escreve: "Quando, porém, vi que não procediam corretamente (o)rqopode/w) segundo a verdade do Evangelho..."(6) Esse sentido opõe-se à "heterodoxia", assim descrita por Paulo: "Quando eu estava de viagem, rumo da Macedônia, te roguei permanecesses ainda em Éfeso para admoestares a certas pessoas a fim de que não ensinem outra doutrina (e(terodidaskalei=n)" (1 Tm 1.3). "Se alguém ensina outra doutrina(e(terodidaskalei=) e não concorda com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, e com o ensino segundo a piedade..." (1 Tm 6.3).
Até onde se sabe, foi Inácio, bispo de Antioquia, o primeiro escritor cristão a usar a expressão "heterodoxia" para se referir aos falsos ensinamentos (c.110 AD). Na Carta aos Magnésios, VIII.1, ele diz: "Não vos deixeis iludir pelas doutrinas heterodoxas, nem pelos velhos mitos sem utilidade."(7) Na Carta aos Esmirnenses, VI.2, Inácio escreve: "Considerai bem como se opõem ao pensamento de Deus os que se prendem a doutrinas heterodoxas a respeito da graça de Jesus Cristo, vinda a nós."(8)
A palavra "ortodoxia" parece ter ganho força no sentido eclesiástico a partir do quarto século, com a elaboração dos credos ecumênicos (Concílios de Nicéia, 325; Constantinopla, 381; Éfeso, 431; Calcedônia, 451) e com o reconhecimento do cânon bíblico no terceiro Sínodo de Cartago (397),(9) quando a igreja decidia as questões pertinentes à fé conforme os padrões adotados. Desse modo, o que se harmonizasse com esse padrão era considerado "ortodoxo"; o que divergisse, era "heterodoxo."(10) Posteriormente, a Igreja Oriental se declarou "Santa Ortodoxa Apostólica."(11)
A "ortodoxia," enquanto sistema de pensamento, seja em que campo for, baseia-se nos seguintes pressupostos:
1. O ser humano pode conhecer a verdade;
2. A verdade é conhecida;
3. O que a comunidade ou grupo professa, corresponde à verdade.
Desse modo, ainda que a posição ortodoxa não se considere necessariamente proprietária exclusiva da verdade, crê professá-la em seu sistema; daí a observação abrangente de Trevor-Roper, de que "uma das grandes vantagens da ortodoxia é o ímpeto que imprime à difusão do conhecimento."(12)
O termo "ortodoxia" normalmente é empregado pelos protestantes para se referir ao sumário das doutrinas defendidas pelos reformadores e em geral aceitas pelas igrejas da Reforma. Nesse caso, ser ortodoxo significa estar de acordo com os princípios da Reforma.
Contudo, dentro da história da teologia, há um período denominado de "Ortodoxia Protestante," e é justamente disso que vamos tratar nestas anotações.
II. Conceituando a ortodoxia protestante
O período entre a Reforma e o Iluminismo ou, mais precisamente, o século XVII, é conhecido na história da teologia protestante como "Escolasticismo Protestante", "Ortodoxia Protestante" ou "Período Confessionalista." Tal época caracterizou-se por uma preocupação profunda e sistemática pelo rigor doutrinário, elaborando com riqueza de detalhes os posicionamentos teológicos da igreja, conforme a compreensão da amplitude da revelação bíblica. Podemos dizer que esse período consistiu na sistematização das doutrinas da Reforma. Normalmente a Ortodoxia Luterana é colocada a partir do Livro da Concórdia(1580),(13) documento que contém todos os símbolos aceitos pela Igreja Luterana; e a Ortodoxia Reformada, como tendo sido arquitetada a partir dos escritos de Teodoro Beza (1519-1605) e Jerônimo Zanchi (1516-1590).(14)
A denominação "Escolasticismo," aplicada a esse período da teologia protestante, significa, na visão de Hugh R. Mackintosh (1870-1936), "uma disposição de ânimo intelectual que pode invadir qualquer tema em qualquer época. Na religião, é o espírito da lei que se impõe ao espírito do Evangelho. O resultado foi o estancamento teológico, especialmente nos campos da exegese bíblica e da história eclesiástica."(15)
No mesmo diapasão, escreveu George E. Ladd (1911-1984):
Os resultados obtidos pelos estudos históricos da Bíblia, realizados pelos reformadores, logo se perderam no período imediatamente após a Reforma, e a Bíblia foi mais uma vez utilizada sem uma perspectiva crítica e histórica, para servir de apoio à doutrina ortodoxa. A Bíblia foi considerada não somente como um livro isento de erros e contradições, mas também como sem desenvolvimento ou progresso. A Bíblia, no seu todo, foi estudada como possuindo um nível único de valor teológico. A história foi completamente absorvida pelo dogma e a filologia tornou-se um ramo da dogmática.(16)
Reinhold Niebuhr (1892-1971) chega a dizer que essa ortodoxia era "estéril," na qual a experiência da "justificação pela fé" degenerou-se em "justiça de crença."(17)
As colocações feitas por Mackintosh, Niebuhr e Ladd são extremamente negativas em relação ao "Escolasticismo Protestante," embora eles não partilhem sozinhos desse conceito, seguindo, de certa forma, um clichê repetido tantas vezes um tanto irresponsavelmente.
Certamente a ênfase excessiva e por vezes isolada na teologia por parte dos estudiosos reformados e luteranos desse período, trouxe algumas anomalias que às vezes geraram uma atitude perniciosa. Havia a tendência de separar a doutrina da piedade individual ou de confundir a fé em Cristo com o mero assentimento intelectual a determinadas doutrinas tidas como fundamentais à fé cristã. Assim, em alguns momentos substituiu-se a fé em Cristo por um mero assentimento intelectual a determinadas doutrinas.
Todavia, se isso ocorreu, não foi porque os teólogos dessa época ensinaram tal prática, mas sim devido a um desvirtuamento da ênfase apresentada. Não podemos simplesmente identificar a ênfase num ponto, como se significasse a exclusão dos demais. Em outras palavras, a ênfase na fidelidade doutrinária não equivale a um desmerecimento da piedade cristã. Por outro lado, devemos estar atentos ao fato de que a visão preconceituosa desse período tem feito com que não consigamos enxergar as contribuições positivas da teologia sistematizada nessa época, das quais somos herdeiros diretos ou indiretos. W. Robert Godfrey, observa acertadamente, que "o desenvolvimento da teologia escolástica não pode ser caricaturizado como um exercício acadêmico, árido e irrelevante, em conflito com a vida e a piedade da igreja."(18)
Paul Tillich (1886-1965), mesmo não sendo um teólogo "ortodoxo," enfatiza em diferentes lugares, a importância do Escolasticismo Protestante:
A ortodoxia clássica relaciona-se com uma grande teologia. Poderíamos chamá-la de escolástica protestante, com todos os refinamentos e métodos que a palavra "escolástica" inclui. Assim, quando eu falo de ortodoxia, refiro-me à maneira como a Reforma estabeleceu-se, enquanto forma eclesiástica de vida e pensamento, depois que o movimento dinâmico da Reforma terminou. É a sistematização e a consolidação das idéias da Reforma, desenvolvidas em contraste com a Contra-Reforma.(19)
A ortodoxia protestante era construtiva ... Os teólogos ortodoxos trabalharam objetiva e construtivamente, procurando apresentar a doutrina pura e completa de Deus, do homem e do mundo ... Os teólogos ortodoxos não eram leigos em teologia, ignorantes do que queriam dizer os conceitos que empregavam na interpretação bíblica. Sabiam muito bem o seu significado ao longo de quinze séculos de história da igreja já passados. Conheciam também a história da filosofia e a teologia da Reforma. O fato de permanecerem na tradição dos reformadores não os impediu de conhecer profundamente a teologia escolástica, de discuti-la e refutá-la, e até mesmo de aceitá-la quando era o caso. Tudo isso faz da ortodoxia clássica um dos grandes eventos da história do pensamento cristão.(20)
Da mesma forma analisa Bernhard Lohse, quando escreve: "Naquela época levou-se extremamente a sério a questão da verdade. Por essa razão deve-se evitar um julgamento precipitado da época da ortodoxia."(21)
III. Elementos Geradores da ortodoxia protestante
Para que possamos fazer uma análise objetiva desse período, temos que considerar alguns pontos ligados ao seu contexto histórico.
A. A Educação Formal da Época
Apesar da filosofia de Aristóteles (384-322 AC) ter perdido em grande parte a sua força desde a Renascença, ela permaneceu como matéria de estudo em muitas universidades. Isto porque a suposta irrelevância de Aristóteles não era unânime. Houve debates prolongados na Universidade de Pádua entre aqueles que defendiam a superioridade da Filosofia de Platão (427-347 AC) e aqueles que sustentavam a supremacia de Aristóteles.(22) O Cardeal Basílio Bessarion (1403-1472), mesmo sendo partidário da supremacia platônica — por considerar que Platão se aproximou melhor da verdade do cristianismo —, procurou adotar uma atitude conciliatória, escrevendo em 1469 uma obra intitulada Contra um Caluniador de Platão, na qual dizia: "Amo a Platão e amo a Aristóteles, venerando a ambos como dois homens sapientíssimos."(23)
Entre os protestantes, por exemplo, Filipe Melanchthon (1497-1560),(24) um "eminente humanista,"(25) na Universidade de Wittenberg (1518), que era considerada "a Meca do protestantismo;"(26) Pedro Mártir Vermigli (1500?-1562), em Oxford (1548); Jerônimo Zanchi (1516-1590), em Estrasburgo (1553) e depois em Heidelberg (1568); Conrado Gesner, em Zurique; e Teodoro Beza (1519-1605),(27) em Genebra (1558), continuaram dando ênfase ao pensamento aristotélico, ainda que não do mesmo modo escolástico.(28)
Nesse tipo de formação, a lógica dedutiva de Aristóteles recebia grande ênfase, bem como o seu aspecto sistemático formal, contribuindo para a elaboração de um pensamento sistemático e coeso. A ortodoxia protestante demonstrou ser possível utilizar a filosofia aristotélica sem os pressupostos da teologia romana.
B. A Controvérsia Protestante
Leith conclui que "as controvérsias do século XVII eram inevitáveis no desenvolvimento da vida da igreja."(29) De fato, quando a Reforma proclamou o direito do livre exame, num primeiro momento estava rejeitando a autoridade final da Igreja; num segundo momento, inevitavelmente, estava contribuindo para a existência de diferentes compreensões dentro do próprio protestantismo, o que de fato houve. Portanto, a disputa entre Lutero (1483-1546) e Zuínglio (1484-1531) a respeito da Santa Ceia e as controvérsias calvinistas posteriores referentes à predestinação (Sínodo de Dort), fomentaram de forma acentuada a necessidade de uma maior sistematização doutrinária, cada vez mais minuciosa.(30) Acrescente-se a isso, a existência de um inimigo comum, a Igreja Romana, que através da Contra-Reforma — no espírito do Concílio de Trento (1545-1563) — recuperava terreno desde meados do século XVI, sendo os jesuítas instrumentos poderosos para "reconverter os adeptos do protestantismo," com o reforço do Index (1543) e da Inquisição.(31)
C. A Confiança na Razão
Os teólogos posteriores à Reforma estavam mais abertos às exigências da razão e dispostos a examinar as implicações decorrentes desta ou daquela doutrina, procurando manter um sistema coerente, que pudesse ser compreendido e ensinado. Um perigo evidente é a tentativa, ainda que nem sempre consciente, de reduzir a vida cristã à razão, esquecendo-se de que ela é mais do que isso.(32) Todavia não nos parece que era esse o seu desejo; antes, partindo do princípio de que Deus é Senhor de todo o saber e de toda a verdade, lançaram-se em sua busca, compreendendo que tal tarefa é uma prerrogativa do ser humano. Aliás, a compreensão de que Deus é o Senhor de todo o saber tem uma longa tradição na igreja. Apenas para ilustrar, cito algumas passagens que julgo suficientes: Justino Mártir disse no segundo século: "...Tudo o que de bom foi dito por eles (filósofos), pertence a nós, cristãos, porque nós adoramos e amamos, depois de Deus, o Verbo, que procede do mesmo Deus ingênito e inefável."(33) Tomás de Aquino (1225-1274) afirmou: "Ninguém pode entregar-se à pesquisa da verdade divina sem muito trabalho e diligência. Esse trabalho muito poucos estão dispostos a assumir por amor à ciência, embora Deus tenha colocado esse desejo no mais profundo do coração humano."(34) Calvino (1509-1564) observou: "Se reputamos ser o Espírito de Deus a fonte única da própria verdade, onde quer que ela haja de aparecer, nem a rejeitaremos, nem a desprezaremos, a menos que queiramos ser insultuosos para com o Espírito de Deus."(35) Agostinho (354-430) disse: "Todo bom e verdadeiro cristão há de saber que a Verdade, em qualquer parte onde se encontre, é propriedade do Senhor."(36) B. Pascal (1623-1662) conclui: "Submissão e uso da razão, eis em que consiste o cristianismo."(37)
D. A Preservação da Sã Doutrina
O objetivo dos teólogos desse período foi preservar a doutrina bíblica das heresias, principalmente das heresias romanas, apresentando um todo sistematizado que pudesse servir de manual doutrinal e confessional da igreja. Como aponta Tillich, "o elemento doutrinário tornou-se muito mais importante para a ortodoxia do que para a Reforma, onde o elemento espiritual sempre teve mais valor do que as doutrinas fixas."(38) Lohse observa que "os limites entre as diversas confissões foram definitivamente colocados. Cada igreja estava particularmente ocupada com a doutrina pura."(39) É nesse contexto que se acham inseridos alguns dos principais credos protestantes, que contribuíram de forma inestimável para a preservação doutrinária do protestantismo histórico.(40)
É digno de menção que, num período de controvérsias em que o lado oposto apresenta um sistema doutrinário solidamente elaborado, o oponente tende a seguir um destes caminhos: ou apela para o sentimento, fugindo de qualquer sistematização doutrinária, ou tenta elaborar um sistema tão bom ou melhor do que o outro, partindo de um quadro de referência diferente.
Como temos insistido, no Escolasticismo os teólogos estavam interessados em reproduzir de forma coerente e abrangente a riqueza da revelação bíblica, penetrando nos pormenores das Escrituras e gerando um maior conhecimento da Palavra de Deus. Como filho indesejado desse desiderato, surgiram as discussões infindáveis de pontos nem sempre relevantes, que contribuíam para o radicalismo, a intolerância e a perda do espírito bíblico que era comum aos reformadores.(41) Desse modo, o problema não estava simplesmente na formulação doutrinária, que era uma necessidade presente, mas sim nos exageros havidos, fruto muitas vezes, de um coração sincero, porém sem maior discernimento. Outras vezes, acredito que certas posições intransigentes eram tomadas no calor da disputa, que tinham por fim, preservar a igreja do que era considerado herético. Contudo, apesar dos ideais nobres, com alguma freqüência o que restava era um ministério vazio e o enfraquecimento espiritual da igreja.
Nichols comenta:
O enfraquecimento religioso e as contínuas disputas teológicas entre luteranos e calvinistas explicam o papel obscuro do protestantismo alemão nos primeiros anos da Guerra dos Trinta Anos... É assim que encontramos a vida religiosa do protestantismo alemão depois de 1648 terrivelmente enfraquecida. Essa situação era a mesma, tanto entre os luteranos como entre os reformados. O ministério era pobre quanto à religião pessoal. A ortodoxia era considerada a característica mais importante de um ministro.(42)
E. "A Fé Explícita"
Já mencionamos que a doutrina cristã precisava, naquele período, ser apresentada de forma mais completa possível. Considerando a autonomia individual proclamada pela Reforma, devemos ressaltar, ao mesmo tempo, que esses ensinamentos deveriam ser inteligíveis ao cristão mais simples, para que ele pudesse filiar-se à igreja, conhecendo o que ela cria e ensinava.
João Calvino já combatera a "fé implícita" — que era patente na teologia romana —, declarando que a nossa fé deve ser "explícita". No entanto, Calvino ressaltara que devido ao fato de que nem tudo foi revelado por Deus, bem como à nossa ignorância e pequenez espiritual, muito do que cremos permanecerá nesta vida de forma implícita.
Depois de um extenso comentário, Calvino afirma:
...adornar com o nome de fé à ignorância temperada com humildade é o cúmulo do absurdo. Ora, a fé jaz no conhecimento de Deus e de Cristo (Jo 17.3), não na reverência à igreja.(43)
Pelas palavras de Calvino, podemos observar a necessidade latente do ensino e do estudo constante da Palavra de Deus, a fim de que cada indivíduo, sendo como é, responsável diante de Deus, tenha condições de se posicionar em relação a Deus de forma consciente. A fé explícita é patenteada pela igreja através do ensino da Palavra.(44)
Tillich, interpretando esse fato, diz:
Cada indivíduo deve ser capaz de confessar os próprios pecados, experimentar o significado do arrependimento, e se tornar certo de sua salvação em Cristo. Essa exigência gerava um problema no protestantismo. Significava que todas as pessoas precisavam ter o mesmo conhecimento básico das doutrinas fundamentais da fé cristã. No ensino dessas doutrinas não se emprega o mesmo método para o povo comum e para os candidatos às ordens, ou para os futuros professores de teologia, com a prática do latim e grego, da história da exegese e do pensamento cristão. Como se pode ensinar a todos? Naturalmente, apenas se tornarmos o ensino extremamente simples.(45)
Essa necessidade determina o uso cada vez mais evidente da razão, a fim de apresentar a doutrina de forma mais razoável possível, e ao mesmo tempo, de forma simples. Eis dois marcos do ensino ortodoxo: amplitude e simplicidade. O ser humano é responsável diante de Deus; ele dará contas de si mesmo ao seu Criador; portanto, tendo oportunidade, ele precisa conhecer devidamente a Palavra de Deus em toda a sua plenitude revelada.
Nesse período são compostas diversas "confissões," que além de visar a preservação da sã doutrina, objetivavam tornar clara e objetiva a fé dos crentes. Essas declarações de fé precisavam ser, até certo ponto, completas. Entretanto, precisavam ao mesmo tempo ser simples, para que o crente comum (não iniciado nas questões teológicas) pudesse entender o que estava sendo dito. Confrontando esse ensinamento com a Palavra de Deus, o crente teria, assim, uma compreensão bíblica da sua fé. Nesse contexto, e com objetivos eminentemente didáticos, surgem os catecismos (grego kathxe/w = "ensinar", "instruir", "informar"; ver Lc 1.4; At 18.25; 21.21,24; Rm 2.18; 1 Co 14.19; Gl 6.6.), constituídos, ainda que não exclusivamente, de perguntas e respostas. Os catecismos visavam instruir as crianças e os adultos.(46) Esse é o motivo que contribuiu decisivamente para a sua proliferação. A maioria, contudo, jamais passou da forma manuscrita, visto que muitos pastores os elaboravam apenas para a sua congregação local, visando atender às suas necessidades doutrinárias.
Martinho Lutero (1483-1546) exerceu poderosa influência através de seus catecismos: o Catecismo Maior e o Catecismo Menor (1529). No prefácio do Catecismo Menor, Lutero declara os motivos que o levaram a redigi-lo e também apresenta sugestões de como ensiná-lo à congregação. No decorrer dos sete capítulos, ele quase sempre inicia dizendo: "Como o chefe de família deve ensiná-lo a sua casa," ou "Como o chefe de família deve ensiná-lo com toda a simplicidade a sua casa," e expressões similares.
Transcrevo apenas o que Lutero disse a respeito das suas motivações:
A lamentável e mísera necessidade experimentada recentemente, quando também eu fui visitador,(47) é que me obrigou e impulsionou a preparar este catecismo ou doutrina cristã nesta forma breve, simples e singela. Meu Deus, quanta miséria não vi! O homem comum simplesmente não sabe nada da doutrina cristã, especialmente nas aldeias. E, infelizmente, muitos pastores são de todo incompetentes e incapazes para a obra do ensino... Não sabem nem o Pai-Nosso, nem o Credo, nem os Dez Mandamentos.(48)
IV. ortodoxia: doutrina e vida
Apesar de exageros de ênfase, conforme já mencionamos, não devemos nos esquecer de que nesse período há evidências de uma viva e sólida piedade cristã.(49) Isso se torna ainda mais patente, quando encontramos em Pia Desideria (1675), obra do pai do Pietismo, Filipe J. Spener (1635-1705), o reconhecimento da piedade de Johann Gerhard (1582-1637), tido como um dos maiores teólogos luteranos da ortodoxia. Spener o chama de "piedoso teólogo."(50)
Mais surpreendente ainda é a citação da obra de Gerhard, Harmonie Evangelistarum (1627), feita por Spener:
Aqueles que não têm o verdadeiro amor a Cristo e negligenciam a prática da piedade, esses não alcançam o pleno conhecimento de Cristo e a mais rica concessão do Espírito Santo. Para se obter o verdadeiro, vivo, ativo e salutar conhecimento das coisas divinas, não é suficiente ler e estudar as Escrituras. Aí é preciso que se acrescente o amor de Cristo, ou seja, que haja o cuidado de não pecar contra a consciência – do contrário, levanta-se uma barreira contra o Espírito Santo – e que se busque com afinco a vida piedosa.(51)
Spener dá tratamento semelhante a outro teólogo luterano, um dos principais representantes do Escolasticismo Protestante do século XVII, Abraão Calovius (1612-1686). Calovius ficou conhecido por sua piedade, bem como por um espírito polêmico e exclusivista.(52) Spener faz uma extensa citação de sua obra,Paedia Theologica de Methodo Studii Theologici (1652), aconselhando os estudantes de teologia a seguirem a orientação de Calovius.(53)
A. Teólogos Importantes desse Período
1. Johann Gerhard (1582-1637): luterano que lecionou em Jena de 1616 até a sua morte em 1637. Gerhard é conhecido por sua piedade e erudição, sendo considerado o maior teólogo luterano depois de Lutero e Martinho Chemnitz (1522-1586).(54) Gerhard sentiu a necessidade de apresentar de forma sistematizada a teologia luterana em oposição à calvinista.(55) Assim, ele escreveu uma obra de nove volumes, publicada em Jena, intitulada Loci Communes Theologici (1610-1622),(56) que foi considerada "o apogeu da teologia dogmática luterana."(57)
Nesse seu trabalho, Gerhard analisou exaustivamente a doutrina evangélica. Segundo Drickamer, ele
organizou a teologia de conformidade com o método sintético... cada doutrina foi tratada por sua vez, considerando-se tudo quanto a Bíblia dizia a respeito de cada tópico. Não houve tentativa de fazer da teologia um sistema filosófico. Cada doutrina foi colocada em relacionamento com outras doutrinas, especialmente com a doutrina principal: o evangelho do perdão dos pecados, por causa da morte de Jesus na cruz.(58)
A obra de Gerhard moldou a teologia luterana do século XVIII, permanecendo por muitos anos como uma exposição clássica dessa teologia.
2. François Turretini (1623-1687): teólogo suíço, filho do pastor calvinista Benedito Turretini (1588-1631), natural de Zurique, seguidor da teologia de Dort (1618-1619),(59) que foi professor de teologia em Genebra (1618),(60) e tornou-se um polemista de renome. Benedito, mesmo não tendo sido delegado em Dort, redigiu com outros três pastores de Genebra uma carta, enviando-a ao Sínodo de Dort (06/10/1618), demonstrando a sua posição anti-arminiana.(61) Ele foi representante da Igreja de Genebra no vigésimo terceiro Sínodo Nacional da Igreja Reformada da França, realizado em Alès (01/10/1620), contribuindo para o triunfo do decreto de Dort entre os calvinistas da França, quando os Cânones de Dort (1619) e a Confissão Francesa (1559) foram adotados — por serem considerados em total harmonia com a Palavra de Deus — e todos os ministros e presbíteros juraram solenemente defendê-los.(62)
François seguiu as pegadas de seu pai. Foi pastor da congregação italiana de Genebra (1647-1648)(63) e pregava com igual facilidade em latim, francês e italiano. Depois de um breve pastorado em Lyons, retornou a Genebra como professor de teologia, permanecendo nessa função até a sua morte (1653-1687). Sob vários aspectos, Turretini é filho teológico da Academia de Genebra e do Sínodo de Dort.
François Turretini — o campeão da ortodoxia calvinista no século XVII —, é um legítimo representante do "Escolasticismo Protestante" calvinista. Juntamente com John Henry Heidegger, de Zurique (1633-1698), e Lucas Gernler, de Basiléia (1625-1675), ele elaborou a Formula Consensus Helvetica (1675),(64) que negou a "expiação universal." Esse documento foi a última confissão doutrinária da Igreja Reformada da Suíça, encerrando assim o período de "credos calvinistas." Mesmo não estendendo sua autoridade além da Suíça, essa Fórmula é de grande relevância para a história da teologia protestante,(65) e para o fortalecimento da união entre os reformados nos cantões suíços.(66) Ela tem sido chamada de "Símbolo Secundino", "Formula Anti-Salmuriensis," ou "Formula Anti-Amyraldensis" devido ao combate à teologia de Moisés Amyraut (1596-1664), da escola de Saumur.(67) Nessa confissão encontramos uma reafirmação das doutrinas de Dort, com ênfase especial na "expiação limitada."
A principal obra de Turretini foi o "lúcido e competente manual de teologia sistemática,"(68) Institutio Theologiae Elencticae (Genebra, 1679-1685), cuja 2ª edição foi publicada em 1688 em 3 volumes, e republicada em 1847-48 em Edimburgo(69) e Nova York, e visou "consolidar e preservar a teologia reformada."(70) Nesse tratado teológico Turretini expõe a teologia reformada de forma sistemática, lógica, precisa e científica; o seu método revela conhecimento de Aristóteles e de Tomás de Aquino.(71) A Institutio "é a mais importante obra de teologia sistemática escrita em Genebra durante o século XVII."(72) O trabalho de Turretini, sem perigo de cometermos algum exagero, é uma das obras mais completas e precisas do pensamento reformado.
Institutio exerceria mais tarde, uma forte influência na teologia de Princeton, através do seu primeiro professor, Archibald Alexander (1772-1851) — apreciador de John Locke (1632-1704) e da filosofia do senso-comum(73) —, que a adotaria como livro-texto no Seminário de Princeton, desde a sua fundação em 1812.(74) Charles Hodge (1797-1878), que foi aluno e sucessor de Alexander, lecionando teologia Exegética e Didática na mesma instituição (1840-1878),(75) também adotou o livro de Turretini, tendo profundo respeito por este. Em 1845, Hodge escreveu a respeito de Turretini: "...No todo, o melhor escritor de teologia sistemática que conhecemos. Não obstante a tintura de escolasticismo que está presente em sua obra, ela se adapta, de modo admirável, à situação atual da teologia em nosso país."(76) É sempre bom lembrar que A.G. Simonton (1833-1867), aluno de Hodge,(77) estudou teologia nessa obra, já que a Teologia Sistemática de Hodge, ainda em fase de elaboração, só substituiria o livro de Turretini a partir de 1872-1873.
Na sua obra, "Turretini refuta Arminius quanto ao livre arbítrio; Amyraut, quanto à natureza da expiação; Lutero quanto aos sacramentos; a Igreja de Roma e os racionalistas quanto à natureza e autoridade da Bíblia."(78)
B. A Necessidade de Equilíbrio
Lembrando a observação de Tillich, devemos ter em mente que a Ortodoxia Protestante "é a sistematização e a consolidação das idéias da Reforma, desenvolvidas em contraste com a Contra-Reforma."(79) Contudo, esse período, que trouxe consigo a elaboração e sistematização da teologia protestante, acarretou a reação pietista que enfatizou mais precisamente o aspecto emotivo da fé cristã. É fato também que a ortodoxia protestante num estágio posterior, mesmo sem jamais ter ensinado isto, impulsionou a preocupação puramente doutrinária, acarretando uma estagnação espiritual marcada pelo formalismo vazio — ortodoxia doutrinária e heterodoxia vivenciada.
Por certo, insistimos, este não era o desejo dos reformadores, nem dos teólogos ortodoxos do século XVII, mas o fato é que a ortodoxia contribuiu na pavimentação do caminho para o racionalismo. Por outro lado, todos os movimentos teológicos posteriores sempre estiveram dependentes da ortodoxia clássica. O Pietismo tentará subjetivá-la; o Liberalismo — cada grupo com sua ênfase específica — tentará superá-la, tendo a razão como elemento norteador de toda a sua teologia. Os reformados são herdeiros de muitíssimos de seus conceitos, os quais devem ser preservados, sempre em atenção ao Verbo Divino, sustentando uma fé viva em Cristo, que se manifeste em sua doutrina e vida.
A profundidade teológica está aliada ao conhecimento experimental de Deus em Cristo (Jr 9.24; Os 6.3; Mt 11.27; Jo 14.6,9; 2 Pe 3.18). A reflexão teológica deve ser sempre um prefácio à ação, sob a influência modeladora do Espírito que nos instrui pelo Evangelho. "Uma igreja que só reflete e não atua é semelhante ao exército que passa o tempo fazendo manobras dentro do quartel."(80) A reflexão e ação devem estar sempre acompanhadas e dominadas pela oração fervorosa e sincera: "Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei" (Sl 119.18).
Talvez aqui esteja uma das armadilhas mais sutis para os reformados. Eles prezam a doutrina e entendem ser ela fundamental para a vida cristã, no entanto, nessa justíssima ênfase e compreensão, podem se esquecer da importância vital da piedade. Não estou dizendo que isto lhes aconteça com freqüência, ou que esse seja o seu ponto fraco. Apenas observo que devem vigiar esse flanco, para que o inimigo não alcance êxito em seu desígnio destruidor. Paulo fala dos "desígnios" de Satanás (2 Co 2.11), indicando a idéia de que ele tem metas definidas, estratégias elaboradas, um programa de ação com variedades de técnicas e opções a serem aplicadas conforme as circunstâncias. Ele emprega toda a sua "energia" (2 Ts 2.9) para realizar os seus propósitos.(81)
Recorro ao contundente comentário do Dr. Lloyd-Jones:
O ministro do Evangelho é um homem que está sempre lutando em duas frentes. Primeiro ele tem que concitar as pessoas a se interessarem por doutrina e pela teologia, todavia não demorará muito nisso antes de perceber que terá que abrir uma segunda frente e dizer às pessoas que não é suficiente interessar-se somente por doutrinas e teologia, que você corre o perigo de se tornar um mero intelectualista ortodoxo e de ir ficando negligente quanto à sua vida espiritual e quanto à vida da Igreja. Este é o perigo que assedia os que sustentam a posição reformada. Essas são as únicas pessoas realmente interessadas em teologia, pelo que o diabo vem a eles e os impele para demasiado longe na linha desse interesse, e eles tendem a tornar-se meros teólogos e só intelectualmente interessados na verdade.(82)
Portanto, insistimos, sem a aliança constante e vitalizadora da teologia e da vida cristã, fundamentadas na Palavra, os reformados cairão na aridez teológica e espiritual. Não nos iludamos, o "dinamismo" espiritual fora da Palavra, cedo ou tarde mostrará uma área devastada e humanamente irrecuperável. Uma "teologia" sem o Espírito que fala através da Palavra conduzirá inevitavelmente a simples "reflexões," com as quais os teólogos se banquetearão — não impunemente —, com a carne e o sangue da Igreja, o Corpo de Cristo. Que Deus os livre de ambos os males.
Considerações finais: O Caráter "Teantrópico" da Teologia
Quando usamos o designativo "teantrópico" para a teologia, estamos aludindo ao fato de que ela não é a "Palavra de Deus"; por outro lado, estamos também dizendo que ela não é meramente a "palavra do homem." Qualquer exclusividade aqui negaria a essencialidade da teologia. Se a teologia pretendesse reivindicar para si a condição de Palavra de Deus, deixaria de ser teologia, para ser a revelação de Deus ao ser humano. Da mesma forma, se ela fosse olhada apenas como uma construção humana, "palavra do homem," perderia a dimensão do eterno, do revelado; tornar-se-ia apenas em mais uma "teogonia", "cosmogonia"; uma fábula humana à procura de credibilidade que, por sinal, encontraria sempre ouvidos atentos (ver 2 Tm 4. 3,4). A "teologia fabulosa"(83) é uma contradição de termos!
No entanto, na genuína teologia encontramos a revelação de Deus e a sua interpretação pelo ser humano — obviamente passível de erros —, que busca, pelo Espírito, a compreensão do que foi revelado para a sua reflexão, ensino e prática. Ela não é necessariamente verdadeira; entretanto, faz parte da sua essência a busca da verdade, do conhecimento tal qual nos foi dado na Escritura. Desse modo, a teologia deve ser a expressão da mente e do coração iluminados por Deus na compreensão e verbalização da Escritura.
Paul Tillich (1886-1965), ainda que não seguindo uma linha teológica reformada, caracteriza bem a questão da teologia, ao falar da sua tarefa:
A tarefa da teologia é mediação, mediação entre o critério eterno da verdade manifesto na figura de Jesus, o Cristo, e as experiências mutáveis dos indivíduos e dos grupos, suas variadas questões e suas categorias de percepção da realidade. Quando se rejeita a tarefa mediadora da teologia, rejeita-se a própria teologia; pois o termo ‘teo-logia’ pressupõe, em si, uma mediação, a saber, entre o mistério, que é theos, e a compreensão, que é logos.(84)
A teologia é uma reflexão interpretativa e sistematizada da Palavra de Deus; a sua fidedignidade estará sempre no mesmo nível da sua fidelidade à Escritura. A relevância de nossa formulação não dependerá de sua "beleza", "popularidade" ou "significado para o homem moderno," mas sim na sua conformação às Escrituras. O mérito de toda teologia está no seu apego incondicional e irrestrito à revelação; a melhor interpretação é a que expressa o sentido do texto à luz de toda a Escritura.(85) Não há nada mais edificante e prático do que a Verdade de Deus!
A teologia reformada é uma reflexão baseada na Palavra em submissão ao Espírito, buscando sempre uma compreensão exata do que Deus revelou e inspirou pelo Espírito e que agora ilumina pelo mesmo Espírito (Ef 1.15-21; Sl 119.18).
Para os reformados, o valor da teologia estará sempre subordinado à sua fidelidade bíblica. Por isso é que reafirmamos: a teologia ou é bíblica ou não é teologia.(86) Não julgamos a Bíblia, antes, é ela que deve julgar a veracidade do nosso sistema: a Palavra de Deus é o fogo depurador da genuína teologia. A nossa doutrina estará de pé ou cairá à medida em que for ou não bíblica.(87) A vivacidade da teologia reformada está em sua preocupação em ser fiel às Escrituras.(88)
O teólogo reformado Geerhardus Vos (1862-1949) assim conceitua:
Toda genuína teologia cristã é necessariamente teologia bíblica porque à parte da revelação geral, a Escritura constitui o único material com o qual a ciência teológica pode tratar.(89)
A teologia é o estudo da revelação pessoal de Deus conforme registrada nas Escrituras Sagradas. "O tema e o conteúdo da teologia é a revelação de Deus."(90) Dessa concepção subentende-se, seguindo a linha de Kuyper,(91) que a teologia nunca é "arquétipa," mas sim "éctipa."(92) Ela não é gerada pelo esforço de nossa observação de Deus, mas é o resultado da revelação soberana e pessoal de Deus. Uma "teologia arquétipa" — se é que podemos falar desse modo —, pertence somente a Deus, porque somente ele se conhece perfeitamente. Por isso, como temos insistido, a teologia sempre será o efeito da ação reveladora, inspiradora e iluminadora de Deus através do Espírito. A teologia nunca é a causa primeira; sempre é o efeito da ação primeira de Deus em revelar-se. "No princípio Deus..." — isso sempre deve ser considerado em todo e qualquer enfoque que dermos à realidade. Deus se revela e se interpreta através do Espírito, e é somente através dele que poderemos ter um genuíno conhecimento de Deus. A teologia sempre é relativa: "relativa à revelação de Deus. Deus precede e o homem acompanha. Esse ato seguinte, esse serviço, são pensamentos humanos concernentes ao conhecimento de Deus."(93)
O teólogo (theós-lógos) é aquele que procura sistematizar e transmitir a Palavra de Deus (papel ativo), e, ao mesmo tempo, é aquele que a recebe (papel passivo). O seu esforço caracterizar-se-á sempre por uma conexão coerente entre o ouvir e o falar, conforme o registro inspirado das Sagradas Escrituras. Esse ouvir estará sempre conectado aos recursos que Deus nos tem concedido para a interpretação da sua revelação; e o falar estará comprometido com os "oráculos de Deus" (1 Pe 4.11). Portanto, "o fim de um teólogo não pode ser deleitar o ouvido, senão confirmar as consciências ensinando a verdade e o que é certo e proveitoso."(94) Por isso, o fim da teologia não pode ser simplesmente dizer coisas agradáveis aos homens, mas sim ensinar e proclamar toda a verdade de Deus revelada, conforme nos foi dado a conhecer. Reconhecemos nessa formulação e proclamação o aspecto divino e humano da teologia, tendo a teologia implicações em nossa compreensão de mundo e postura diante de Deus e dos homens.
ENGLISH ABSTRACt
In this article entitled "Protestant Orthodoxy: A challenge to theology and piety," Costa attempts to show that in spite of some evident problems, the seventeenth century was "a magnificent period in the history of Protestant thought." After defining the concept of orthodoxy, Costa goes on to explain the main concerns of Protestant scholars at that time: "... a deep and systematic concern with doctrinal rigor which came to elaborate in minute detail the theological statements of the Church according to their own understanding of biblical revelation. It was in that period that the systematization of the doctrines of the Reformation took place." The author attempts to answer the charge usually leveled against the Protestant scholars of that time, that they reduced the Christian faith to mere intellectual consent, with little or no regard for a heartfelt religion. He mentions five elements that gave birth to the Protestant Orthodoxy: the formal education of those times; the controversies among Protestants; confidence in reason; the desire to protect sound doctrine; and what is called "explicit faith," that is, the desire to systematize and present the main doctrines in such a way that the common people would easily understand them. Costa says that "...there is evidence in this period of a live and solid Christian piety." This evidence is taken out of works written by Spener, Johann Gerhard, and F. Turretini, among others. He concludes with a few remarks on the "theanthropic character" of theology, that is, it has both a divine and a human aspect.
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1 Devo essa observação a P. Boehner e E. Gilson: "A História desconhece os inícios absolutos. Não obstante, a história assinala certos períodos que, em virtude de sua excepcional fecundidade, lhe servem como pontos de partida." Philotheus Boehner e Etienne Gilson, História da Filosofia Cristã: Desde as Origens até Nicolau de Cusa, 3ª ed. (Petrópolis: Vozes, 1985), 227.
2 Julián Marías observou que "não é suficiente uma simples ‘localização’ de cada verdade num momento da história, visto que cada um deles envolve os anteriores e é preciso ver nele a forma peculiar de presença do passado histórico; por conseguinte, deve ser visto em movimento, fazendo-se, e não como um ponto estático" (Introdução à Filosofia, 2ª ed. rev. [São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1966], 132).
3 Ver Jacob Burckhardt, A Cultura do Renascimento na Itália: Um Ensaio (São Paulo: Companhia das Letras, 1991), 21; Jean Delumeau, A Civilização do Renascimento, vol. I (Lisboa: Editoral Estampa, 1984), 21.
4 Burckhardt, A Cultura do Renascimento na Itália, 21.
5 Encontramos apenas o verbo "o)rqodo/cein" em Aristóteles (384-322 AC), com o sentido de "reta opinião" (Ética a Nicômaco, em Os Pensadores, vol. IV (São Paulo: Abril Cultural, 1973), VII.8, 368. Platão (427-347 AC) nos fala do "reto juízo" (= "mente reta") (nou=j o)rqo/j) (Fedro, em Os Pensadores, vol. III [São Paulo: Abril Cultural, 1972], 82). Eusébio de Cesaréia, c. 325 AD, usou a palavra "ortodoxia" com alguma freqüência, referindo-se a Irineu, Clemente e Orígenes como aqueles que representavam a "ortodoxia da igreja" (Historia Eclesiástica [Madrid: La Editorial Catolica, 1973), III.23.2; VI.2.14; VI.36.4. Eusébio também fala da "verdadeira ortodoxia" (Ibid., III.25.7); "ortodoxia apostólica" (Ibid., III.31.6; 38.5); "ortodoxia da santa fé" (Ibid., IV.21; Ibid., V.22);"ortodoxia eclesiástica" (Ibid., VI.18.1); "autores ortodoxos" (Ibid., V.27). Dionísio, convertido através de Paulo em Atenas, que se tornara bispo de Corinto, escreve carta às igrejas, que Eusébio diz serem "catequeses de ortodoxia" (Ibid., IV.23.2). Berilo, bispo de Bostra, entre os árabes, "opinava retamente" (Ibid.,VI.33.2).
6 "... ou)x o)rqopodou=sin pro\j th\n a)lh/qeian tou= eu)aggeli/ou..." O Novo Testamento nos oferece outros textos que insistem no ensino do verdadeiro Evangelho, conforme o estabelecido por Deus em sua Palavra (ver Rm 16.17;1 Co 15.1-11; 2 Co 11.2; Gl 1.6-9; 2 Tm 2.15; 4.3-4).
Cartas de Santo Inácio de Antioquia, 3ª ed. (Petrópolis: Vozes, 1984), 53.
Ibid., 80. Mais tarde, c. 325, Eusébio de Cesaréia usaria a expressão aludindo aos ensinamentos de Paulo de Samosata (Historia Eclesiástica, VII.28.2; 29.1; 30.1) e àqueles que se desviaram das Escrituras para ensinos "heterodoxos" (Ibid., VI.12.2). O bispo de Roma Vitor, tentando disciplinar as igrejas da Ásia, alegou que elas eram heterodoxas (Ibid., V.24.9). Eusébio, referindo-se a Paulo de Samosata, que fora condenado pelo Sínodo de Antioquia (268), sendo excomungado (Eusébio, Historia Eclesiástica, VII.29.1), diz que ele "caiu ... da ortodoxia da fé" (Ibid., VII.30.18).
9 Ver Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras: Uma Perspectiva Reformada (São Paulo: 1998). Trabalho em vias de publicação pela Editora Cultura Cristã.
10 Ver "Orthodoxy," em Cyclopaedia of Biblical, Theological, and Ecclesiastical Literature, Rev. John M’Clintock e James Strong, eds. vol. VII (Nova York: Harper & Brothers, 1894), 460. (Doravante, citado como CBTEL). Devemos nos lembrar que os Pais da Igreja e alguns concílios usavam com certa freqüência a expressão "cânon" (kanw/n) para distinguir os ensinamentos da igreja cristã das heresias que surgiam. Para uma documentação substancial sobre isto, ver Costa, Inspiração e Inerrância, 8ss.
11 Ver "Orthodoxy," em A Religious Encyclopaedia: or Dictionary of Biblical, Historical, Doctrinal, and Practical Theology, ed. Philip Schaff, ed. rev., vol. II (Nova York: Funk & Wagnalls, 1887), 1707a. (Doravante citado como RED); "Orthodoxy," em CBTEL, VII,460b. J.I. Packer, "Ortodoxia," em Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, vol. III (São Paulo: Vida Nova, 1988-1990), 70. (Doravante, citada como EHTIC).
12 Hugh Trevor-Roper, A Formação da Europa Cristã (Lisboa: Editorial Verbo, [s.d]), 143.
13 Ver Bengt Hägglund, História da Teologia (Porto Alegre: Casa Publicadora Concórdia, 1973), 259, 263; Arthur C. Piepkorv, "Orthodoxy," em Encyclopaedia Britannica, vol. 16 (Chicago: Encyclopaedia Britannica, 1973), 1126a (doravante, citada como EB); Carl E. Braaten, "Prolegômenos à Dogmática Cristã," emDogmática Cristã, Carl E. Braaten e Robert W. Jenson, eds., vol. I (São Leopoldo: Sinodal, 1990), 57.
14 Ver Arthur C. Piepkorv, "Orthodoxy," em EB, vol. 16, 1126b. Leith, McGrath e Piepkorv tomam como ponto de partida para a definição desse período o ano da morte de Calvino (1564). (Ver John H. Leith, A Tradição Reformada: Uma Maneira de Ser a Comunidade Cristã (São Paulo: Pendão Real, 1997), 169; Alister E. McGrath, Christian Theology: An Introduction (Cambridge, Massachusetts: Blackwell Publishers, 1994), 69; Arthur C. Piepkorv, "Orthodoxy," em EB, 1973, XVI,1126b). McGrath acentua que o período 1559-1622 é caracterizado pela ênfase doutrinária. (Christian Theology, 70). Esses pequenos contrastes servem para ilustrar a observação do luterano Braaten, de que "a ortodoxia do cristianismo reformado estava definida com muito menos clareza do que a luterana" (Carl E. Braaten, "Prolegômenos à Dogmática Cristã", em Dogmática Cristã, vol. I, 57).
15 Hugh R. Mackintosh, Corrientes Teológicas Contemporáneas: De Schleiermacher a Barth (Buenos Aires: Methopress Editorial, 1964), 20.
16 George E. Ladd, Teologia do Novo Testamento (Rio de Janeiro: JUERP, 1985), 14.
17 Reinhold Niebuhr, The Nature and Destiny of Man, vol. II (Nova York: Charles Scribner’s Sons, 1964), 188.
18 W. Robert Godfrey, "Calvino e o Calvinismo nos Países Baixos," em Calvino e Sua Influência no Mundo Ocidental, W. Stanford Reid, ed. (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990), 133.
19 Paul Tillich, História do Pensamento Cristão (São Paulo: ASTE., 1988), 251. Do mesmo modo, entende John H. Leith. (Ver Creeds of the Churches, vol. I (Nova York: Anchor Books, 1963), 308-309).
20 Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX (São Paulo: ASTE, 1986), 36.
21 Bernhard Lohse, A Fé Cristã Através dos Tempos, 2ª ed. (São Leopoldo: Sinodal, 1981), 231.
22 Ver Alister E. McGrath, The Intellectual Origins of the European Reformation (Cambridge, Massachusetts: Blackwell Publishers, 1993), 191ss. Abbagnano coloca a questão nesses termos: "Os platônicos viam no platonismo a síntese do pensamento religioso da Antigüidade e, por conseguinte, no regresso ao platonismo, a condição do renascimento religioso. Os aristotélicos viam no aristotelismo o modelo de ciência naturalista e, por conseguinte, no regresso ao naturalismo, o renascimento da pesquisa na natureza." (Nicola Abbagnano, História da Filosofia, 3ª ed., vol. 5 [Lisboa: Editorial Presença, 1984], § 360, 109).
23 Ver Guillermo Fraile, Historia de la Filosofia, vol. III (Madri: La Editorial Catolica, 1966), 101ss; Johannes Hirschberger, História da Filosofia Moderna, 2ª ed. corrigida e aumentada (São Paulo: Herder, 1967), 26ss; Nicola Abbagnano, História da Filosofia, vol. 5, § 353, 90ss; § 360, 109ss; Federico Klimke e Eusebio Colomer, Historia de la Filosofía, 3ª ed. (Barcelona: Editorial Labor, 1961), 385ss.
24 Melanchthon contribuiu, a despeito do pensamento contrário de Lutero, para a revitalização do pensamento de Aristóteles na Alemanha, limitando contudo, o seu aristotelismo à dialética, à retórica e à filosofia prática (ver Hirschberger, História da Filosofia Moderna, 33). Ele estimulou em Wittenberg o estudo da matemática, política, das línguas grega, hebraica e latina, bem como de historiadores e oradores da antigüidade. Melanchthon foi quem escreveu a primeira obra de teologia sistemática do período da Reforma, intitulada "Loci Comunnes" (1520-1521). (Loci Communes [St. Louis: Concordia Publishing House, 1992]). Nela Melanchton segue a ordem da epístola aos Romanos. (Ver L. Berkhof, Introduccion a la Teologia Sistematica [Grand Rapids: T.E.L.L., 1932], 79).
25 G. Fraile, Historia de la Filosofia, vol. III, 139. Mesmo havendo dúvida em determinados círculos protestantes a respeito do humanismo, Melanchton insistia: "Quem quer que hoje, sob pretexto da religião, abomina as boas letras, é mais feroz do que um urso e mais ímpio do que jamais foram os epicureus turcos." (Citado em N. Abbagnano e A. Visalberghi, Historia de la Pedagogía, 9ª reimpressão, [México: Fondo de Cultura Económica, 1990] , 260).
26 Ver René Hubert, História da Pedagogia, 2ª ed. refundida (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967), 44.
27 Sob a influência de Beza, a lógica silogística de Aristóteles veio a ser um componente essencial no currículo da Academia de Genebra. (Ver McGrath, The Intellectual, 194). Beza exerceu uma influência considerável sobre os reformados. Ele sucedeu a Calvino na Academia de Genebra, lecionando teologia durante quarenta anos (1559-1599) e escrevendo, entre outras obras, Tractationes Theologicae (1570-1582, 3 vols.), na qual expôs a teologia reformada usando a lógica aristotélica. (McGrath, Christian Theology, 72).
28 Ver R.J. Vandermolen, "Escolasticismo Protestante," em EHTIC, vol. II, 43.
29 Leith, A Tradição Reformada,172.
30 McGrath, Christian Theology, 70.
31 Com a sua ironia costumeira, Voltaire (1694-1778), em 1764, escrevendo no seu Dicionário Filosófico sobre a "Inquisição," diz: "A Inquisição é, como se sabe, uma invenção admirável e absolutamente cristã destinada a tornar o papa e os monges mais poderosos e a tornar todo um reino hipócrita." ("Inquisição," em François M.A. Voltaire, Dicionário Filosófico em Os Pensadores, vol. XXIII [São Paulo: Abril Cultural, 1973], 228).
32 Em 1675, Spener (1635-1705) escreveria: "Quando o homem deixa que o paladar se acostume a outras coisas atraentes à razão, aquelas [a simplicidade e os ensinamentos de Cristo] tornam-se-lhe insípidas" (Phillip J. Spener, Mudança Para o Futuro: Pia Desideria [Curitiba/São Bernardo do Campo: Encontrão Editora/Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião, 1996], 48).
33 Justino, Segunda Apologia (São Paulo: Paulus, 1995), XIII.4., 104
34 Tomás de Aquino, Súmula Contra os Gentios, em Os Pensadores, vol. VIII (São Paulo: Abril Cultural, 1973), IV, 67.
35 J. Calvino, As Institutas, II.2.15. Em outro lugar, Calvino diz: "... visto que toda verdade procede de Deus, se algum ímpio disser algo verdadeiro, não devemos rejeitá-lo, porquanto o mesmo procede de Deus." (Calvino, As Pastorais [São Paulo: Paracletos, 1998], Tt 1.12, 318).
36 Agostinho, A Doutrina Cristã (São Paulo: Paulinas, 1991), II.19, 122.
37 Pascal, Pensamentos, em Os Pensadores, vol. XVI (São Paulo: Abril Cultural, 1973), IV. 269, 110. Blaise Pascal expressou bem a compreensão do limite da razão, ao escrever: "A última tentativa da razão é reconhecer que há uma infinidade de coisas que a ultrapassam. Revelar-se-á fraca se não chegar a percebê-lo. Pois, se as coisas naturais a ultrapassam, que dizer das sobrenaturais ?" (Pascal, Ibid., IV: 267, 110).
38 Tillich, História do Pensamento Cristão, 253.
39 Lohse, A Fé Cristã Através dos Tempos, 231.
40 James Orr (1844-1913), na sua obra prima O Progresso do Dogma, escrevendo sobre os "Credos da Reforma", disse: ".... A idade da Reforma se destacou por sua produtividade de credos. Faremos bem se não menosprezarmos o ganho que resulta para nós destas criações do espírito do século XVI. Cometeremos grave equívoco se, seguindo uma tendência prevalecente [1897], nos permitirmos crer que são curiosidades arqueológicas. Esses credos não são produtos ressecados como o pó, senão que surgiram de uma fé viva, e encerram verdades que nenhuma igreja pode abandonar sem certo detrimento de sua própria vida. São produtos clássicos de uma época que se comprazia em formular credos, com o qual quero dizer, uma época que possuía uma fé que é capaz de definir-se de modo inteligente, e pela qual está disposta a sofrer se for necessário e que, portanto, não pode por menos que expressar-se em formas que não tenham validade permanente... Esses credos se têm mantido erguidos como testemunhos, inclusive em período de decaimento, às grandes doutrinas sobre as quais foram estabelecidas as igrejas; têm servido como baluartes contra os assaltos e a desintegração; têm formado um núcleo de reunião e reafirmação em tempos de avivamento; e talvez têm representado sempre com precisão substancial a fé viva da parte espiritual de seus membros... Os credos da Reforma dão, e isto praticamente pela primeira vez, uma exposição conjunta de todos os grandes artigos da doutrina cristã" (El Progreso del Dogma [Barcelona: CLIE., c.1988], 226-227).
41 Ver Hägglund, História da Teologia, 262; L. Berkhof, Introducción a la Teología, 80.
42 Robert Hastings Nichols, História da Igreja Cristã, ed. rev. (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1978), 198.
43 Calvino, As Institutas, III.I.3 (Ver também III.2.5ss).
44 "A Escritura é a escola do Espírito Santo, na qual, como nada é omitido do que é não só necessário mas também proveitoso de conhecer-se, assim também nada é ensinado senão o que convenha saber" (Calvino, As Institutas, III.21.3).
45 Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX, 41.
46 Ver M. Lutero, Catecismo Maior, Prefácio, II.1-6.
47 Lutero viajou pela Saxônia Eleitoral e por Meissen entre 22-10-1528 e 09-01-1529.
48 Catecismo Menor, em Martinho Lutero, Os Catecismos (Porto Alegre/São Leopoldo: Concórdia/Sinodal), 1983,363.
49 Ver W. Walker, História da Igreja Cristã, vol. II (São Paulo: ASTE, 1967), 190.
50 Spener, Pia Desideria, 107.
51 J. Gerhard, Harmonie Evangelistarum, capítulo 176, 1333b. Citado em Spener, Pia Desideria, 107.
52 Ver S.N. Gundry, "Calóvio," em EHTIC, I:224-225; A.Tholuck, "Calovius," RED, I:365. Ainda que ele negasse o seu gosto por controvérsias (ver Ian Sellers,"Calovius," em Diccionario de Historia de la Iglesia, ed. ger. Wilton M. Nelson [Miami: Editorial Caribe, 1989], 192). (Doravante citado como DHL).
53 Ver Spener, Pia Desideria, 105-106.
54 Um ditado popular a respeito de Chemnitz dizia: "Se Martinho Chemnitz não tivesse chegado, Martinho Lutero dificilmente teria sobrevivido" (ver J.F. Johnson, "Chemnitz," em EHTIC, I: 277).
55 Ver McGrath, Christian Theology, 72.
56 Essa obra foi reeditada em Leipzig (1863-1876) em 10 volumes.
57 Ian Sellers, "Gerhard," em DHL, 469.
58 J.M. Drickamer, "Gerhard," em EHTIC, II:197. Por sua vez, Berkhof diz que o trabalho de Gerhard "é uma obra de primeira importância, notável por seu desenvolvimento filosófico e pelo arranjo sistemático de seu conteúdo" (L. Berkhof, Introducción a la Teología Sistemática, 80).
59 Roberto Clouse diz que Dort consistiu na principal afirmação do Escolasticismo Reformado. (Clouse, "Escolasticismo," em DHL, 401b.
60 "Turretin", em RED, III:2408; "Turretini," em CBTEL, X:599a.
61 Ver James T. Dennison, Jr., "The Life and Career of Francis Turretin," em F. Turretin, Institutes of Elenctic Theology, vol. III (Phillipsburg: Presbyterian and Reformed, 1997), 641.
62 O vigésimo quarto Sínodo Nacional da França, realizado em Charenton (Setembro 1623), reafirmou esse procedimento. Ver Jean Delumeau, Nascimento e Afirmação da Reforma (São Paulo: Pioneira, 1989), 226, 229; Philip Schaff, The Creeds of Christendom, 6ª ed. rev. e aum., vol. I (Grand Rapids: Baker, 1931), 478; "Turretini," em EB, XXII:630; "Turretini," em CBTEL, X:599a.
63 O seu avô Francesco foi um protestante italiano que por questões religiosas (Inquisição) emigrou de Lucca para a Suíça em 1579. (Ver "Turretini," em CBTEL, X:599a).
64 A. A. Hodge (1823-1886), certamente com uma boa dose de exagero, a denomina de "a mais científica e completa de todas as confissões reformadas" (Esboços de Theologia [Lisboa: Barata & Sanches, 1895],113).
65 Mais tarde o filho de François Turretini, Jean-Alphonse Turretini, "Turretini, o Jovem" (1671-1737), também professor de História Eclesiástica (1697), Reitor (1701) e professor de Teologia (1705) em Genebra, não concordando com o ensino do seu pai, pôs de lado o ensino calvinista — tinha inclinação arminiana. Assim, ele conseguiu que em 1706 a Fórmula, que era subscrita por todos os pastores desde 1679, não mais o fosse e em 1722 finalmente conseguiu que fosse abandonada. (Ver Schaff, The Creeds of Christendom, vol. I, 478-479; A. A. Hodge, Esboços de Theologia,113; Richard C. Gamble, "Suíça: Triunfo e Declínio,"em CSIMO, 82; "Turretini," em RED, IV:2408b; "Turretini," em CBTEL, X:599b; John T. McNeill, The History and Character of Calvinism (Nova York: Oxford University Press, 1954), 405-406; Martin I. Klauber, "The Helvetic Formula Consensus (1675): An Introduction and Translation," Trinity Journal, 11NS (1990), 103-114).
66 "Este Consensus foi significativo não somente para condenar a teologia salmuriana, mas também para unir os cantões evangélicos da Suíça na definição comum da fé reformada. Semelhante unidade foi necessária para o fortalecimento reformado da Suíça contra a Igreja Católica Romana." (Martin I. Klauber,"The Helvetic Formula Consensus (1675): An Introduction and Translation," Trinity Journal, (1990), 107).
67 Ver Schaff, The Creeds of Christendom, vol. I: 478.
68 McNeill, The History and Character of Calvinism, 406.
69 A primeira edição genebrina foi publicada na seguinte ordem: vol. I (1679); vol. II (1682); vol. III (1685). A edição escocesa foi patrocinada pelo eminente teólogo inglês William Cunningham (1805-1861), professor do New College de Edimburgo desde 1843, e reitor a partir de 1848. (Ver W.G. Blaikie, "William Cunningham," em RED, I:585; James T. Dennison, Jr., "The Life and Career of Francis Turretin," em F. Turretin, Institutes of Elenctic Theology, vol. III: 648).
70 Leith, A Tradição Reformada, 184.
71 Ver Jack B. Rogers e Donald K. McKim, The Authority and Interpretation of the Bible: An Historical Approach (San Francisco: Harper & Row, 1979), 173ss.
72 Donald G. Grohman, "Turretin," em Encyclopaedia of the Reformed Faith, Donald K. McKim, ed. (Louisville, Kentucky: Westminster/John Knox, 1992), 378. É "uma das expressões mais plenas do escolasticismo calvinista." (R.J. Vandermolen, "Turretin," EHTIC, III:580). (Ver Leith, A Tradição Reformada, 184-185).
73 Ver Ernest R. Sandeen, The Roots of Fundamentalism: British and American Millenarianism, 1800-1930, reimpresso (Grand Rapids: Baker, 1978), 115.
74 Estudada em latim, visto que a "Institutio" só teria uma nova edição em 1847-1848 (em quatro volumes), editada em Edimburgo e Nova York. [Essa obra, traduzida por George M. Giger (1822-1865), antigo professor de Princeton e amigo de Charles Hodge, foi editada por James T. Dennison, Jr., sendo publicada em três volumes, consistindo numa revisão e correção da edição de 1847-1848 (Turretin, Institutes of Elenctic Theology, vol. I, 1992; vol. 2, 1994; vol. 3, 1997). Antes da publicação da Institutio em inglês, a tradução feita por Giger, composta de 8 mil páginas manuscritas, ficava na biblioteca do Seminário de Princeton à disposição dos alunos para consulta, conforme indicação de Charles Hodge (Ver F. Turretin, Institutes of Elenctic Theology, vol. I: XXVII, "Editor’s Preface"; III: 648, "The Life and Career of Francis Turretin.")
75 Hodge ingressou em 1816 no Seminário de Princeton, após estudar no Princeton College. Ele tornou-se professor em 1822 e, em 1840, sucessor imediato de Archibald Alexander, permanecendo nesse cargo até a sua morte em 1878, tendo publicado a sua monumental Teologia em 1872-1873.
76 Artigo provavelmente escrito por Charles Hodge, Presbyterian Review, 190. Ver Mark A. Noll, ed., The Princeton Theology: 1812-1921 (Grand Rapids: Baker, 1983), 29, e Leith, A Tradição Reformada, 186.
77 Simonton ingressou no Seminário de Princeton em setembro de 1855, tendo um sermão de Hodge, proferido em outubro do mesmo ano, o influenciado bastante quanto ao seu futuro trabalho missionário. Simonton registrou no seu Diário, em 14-10-1855: "Ouvi hoje um sermão muito interessante do Dr. Hodge sobre os deveres da igreja na educação. Falou da necessidade absoluta de instruir os pagãos antes de poder esperar qualquer sucesso na propagação do Evangelho ... Esse sermão teve o efeito de levar-me a pensar seriamente no trabalho missionário no estrangeiro ... Eu nunca havia considerado seriamente a alternativa de trabalhar no estrangeiro; sempre parti do princípio de que minha esfera de trabalho seria em nosso país, tão vasto, e que cresce tanto. Pois estou agora convencido de que devo considerar a possibilidade seriamente; e se há tantos que preferem ficar, não será meu dever partir ?"
78 Boanerges Ribeiro, Igreja Evangélica e República Brasileira: 1889-1930 (São Paulo: O Semeador, 1991), 195.
79 Tillich, História do Pensamento Cristão, 251.
80 Orlando E. Costas, Qué Significa Evangelizar Hoy? (San José, Costa Rica: Publicaciones INDEF, 1973), 45.
81 Satanás atua de forma eficaz na consecução dos seus objetivos: e)ne/rgeia — "trabalho efetivo" —, de onde vem a nossa palavra "energia", passando pelo latim energia. Essa palavra é aplicada tanto a Deus (Ef 3.7; 4.16; Fp 3.21; Cl 1.29; 2.12) como a Satanás (2 Ts 2.9), estando este subordinado à e)ne/rgeia de Deus (2 Ts 2.11).
82 D. M. Lloyd-Jones, Os Puritanos: Suas Origens e Seus Sucessores (São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1993), 22.
83 Quanto à distinção feita entre os três "gêneros" de "teologia": "theologia fabulosa" (mitologia), que sobrevive no teatro através dos poetas; "theologia naturalis," dos filósofos; e "theologia civilis" (teologia civil), sustentada oficialmente pelos cidadãos, ver Agostinho, A Cidade de Deus, 2ª ed. (Petrópolis: Vozes, 1990), VI:5ss.
84 Paul Tillich, A Era Protestante (São Paulo: Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião, 1992), 15. Notemos contudo, que "as experiências mutáveis dos indivíduos e dos grupos" não se constituem no nosso ponto de partida teológico, antes são desafios para os quais o teólogo deve buscar nas Escrituras a resposta.
85 "Quão importante é dar-nos conta do perigo de começar com uma teoria e impô-la às Escrituras! ... Temos que ser cuidadosos quando estudamos as Escrituras, para não suceder que elaboremos um sistema de doutrina baseado num texto ou numa compreensão errônea de um texto." (D. Martyn Lloyd-Jones,As Insondáveis Riquezas de Cristo [São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992], 43). Damião Berge, um estudioso de Heráclito, descreveu a função do intérprete, que pode ser-nos útil aqui. Diz o autor: "Interpretar é apreender o sentido depositado nas palavras do autor; é retirá-lo de sua reclusão e pô-lo, gradativamente, ao alcance do leitor, processo esse que, em geral, culmina num ensaio de tradução tão verbal como acessível." (Damião Berge, O Logos Heraclítico: Introdução ao Estudo dos Fragmentos [Rio de Janeiro:Instituto Nacional do Livro, 1969], 63).
86 O. Michel escreveu: "Toda teologia genuína é a batalha contra o teologismo, a teorização, e contra a tentativa de substituir o motivo genuinamente bíblico e histórico por uma transformação filosófica ... Atualmente desejamos cada vez mais ouvir a nós mesmos, enquanto a Bíblia nos convidaria a ouvir a palavra pura." (Citado em J. Blauw, A Natureza Missionária da Igreja (São Paulo: ASTE, 1966], 105).
87 Após redigir estas linhas, li o teólogo batista Erickson dizendo que a teologia sistemática não é baseada sobre a teologia bíblica; ela é teologia bíblica. "Nosso objetivo é uma teologia bíblica sistemática"; é ter uma teologia bíblica "pura." (Millard J. Erickson, Christian Theology, 13ª ed. (Grand Rapids: Baker, 1996], 25).
88 Harrison acentuou que "a importância da Reforma para a crítica bíblica não esteve tanto na preocupação com os processos históricos ou literários envolvidos na formulação do cânon bíblico, senão em sua insistência contínua na primazia do singelo sentido gramatical do texto por direito próprio, independente de toda interpretação feita pela autoridade eclesiástica." [R.K. Harrison, Introducción al Antiguo Testamento, vol. I [Jenison, Michigan:TELL, 1990], 7-8).
89 Geerhardus Vos, Biblical Theology: Old and New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1985), pág. v. Lloyd-Jones (1889-1981) nos adverte quanto ao perigo de transformarmos a teologia em algo etéreo: "O grande perigo é tornar a teologia um tema abstrato, teórico, acadêmico. Ela jamais poderá ser isso, porque é conhecimento de Deus." (D.M. Lloyd-Jones, "Uma Escola Protestante Evangélica," em Discernindo os Tempos (São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994), 389. Ver também M.J. Erickson, Christian Theology, 22).
90 John Mackay, Prefacio a la Teología Cristiana (México/Buenos Aires: Casa Unida de Publicaciones/La Aurora, 1946), 28.
91 A. Kuyper, Principles of Sacred Theology (Grand Rapids: Baker, 1980), §§ 60, 257ss.
92 "Éctipo" é uma palavra de derivação grega, "e)/ktupoj" (cópia de um modelo, ou reflexo de um arquétipo), passando pelo latim "ectypus" (feito em relevo, saliente). "Éctipo" é o oposto a arquétipo (do grego, "a)rxe/tupoj" = "original", "modelo"). Na filosofia, G. Berkeley (1685-1753) estabeleceu essa distinção no campo das idéias: "Pois acaso não admito eu um duplo estado de coisas, a saber, um etípico ou natural, ao passo que o outro é arquetípico e eterno? Aquele primeiro foi criado no tempo; e este segundo desde todo o sempre existiu no espírito de Deus." (G. Berkeley, Três Diálogos entre Hilas e Filonous, em Os Pensadores, vol. XXII [São Paulo: Abril Cultural, 1973], 119).
93 Karl Barth, The Faith of the Church: A Commentary on Apostle’s Creed According to Calvin’s Catechism (Great Britain: Fontana Books, 1960), 27.
94 Calvino, As Institutas, I.14.4.

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