sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A Justificação pela Fé na Confissão de Westminster e Catecismo Maior


Por Claudio Luis

A Confissão de Fé e os Catecismos de Westminster, escritos pela assembléia de Westminster entre os anos de 1643 e 1647, tornaram-se a confissão reformada básica dos presbiterianos de fala inglesa e algumas outras denominações.[1]  A confissão de Fé e o Catecismo Maior foram elaborados por pessoas com profundo conhecimento teológico, que se distinguiam pelo ardor religioso e pelo seu caráter. Estas obras são de grandes relevâncias para todos que professam a fé reformada, por elaborarem o pensamento da época com mais clareza, fazendo a exposição do sistema calvinista.
A confissão de Fé de Westminster aborda a questão das boas obras partindo de afirmações, onde a incapacidade humana é fator determinante de invalidações para a salvação. Seus argumentos mostram que as boas obras não têm origem no homem, mas em Deus. Neste caso, ela enfatiza que toda boa obra se ordena nas Escrituras, que implica dizer que as boas obras devem ser atos realizados e conformidade com a revelação de Deus como ela mesma expressa em seu artigo I.

As boas obras são somente aquelas que Deus ordena em sua santa Palavra, não as que, sem a autoridade dela, são aconselhadas pelos homens movidos de um zelo cego, ou sob qualquer outro pretexto de boa intenção.[2]

Assim sendo, as obras humanas, por mais que sejam de boa intenção, não expressam santidade em relação a um Deus que é Santo. Elas são imperfeitas, não expressam a gratidão para com o Criador, porque estão alienadas a Deus e foram corrompidas com a queda da raça humana.
Não obstante, as boas obras são serviços em compromisso com a Palavra de Deus que caracterizam o fruto de uma vida de obediência aos mandamentos de Deus descrito em Mt. 22:31-40 se evidencia uma fé viva que sinaliza-se em uma manifestação de gratidão a Deus e compromisso em amor ao próximo. Sendo assim, a Confissão de Fé de Westminster esclarece:

Estas boas obras, feitas em obediência aos mandamentos de Deus, são fruto e as evidencias de uma fé viva e verdadeira; por elas os crentes manifestam a sua gratidão, robustecem a sua confiança, edificam os seus irmãos, adornam a profissão do evangelho, fecham a boca aos adversários e glorificam a Deus, de quem são feituras, criados em Jesus Cristo para isso mesmo, a fim de que, tendo o seu fruto em santidade, tenham no final a vida eterna.[3]

Com este fato, fica claro e evidente que a pecaminosidade humana não permite ao homem ter uma perfeição em boas obras e, conseqüentemente, receber a justiça de Deus através de atitudes caracterizadas como boas ações, como pensam os romanistas, que procuravam através das boas obras a justiça de Deus para o perdão de seus pecados. Tal conceito, portanto, é confundindo em apresentar uma justificação com a santificação.[4] Assim, os romanistas entendem a justificação como um processo, na qual o pecador se torna justo, misturando neste caso, a justificação com a santificação. Estes dois termos são virtualmente sinônimos no Concílio de Trento, que apresenta a posição de remissão de pecados ao se tratar de justificação. “O Concílio de Trento garante que a justificação não é apenas a remissão de pecados, mas a santificação e renovação do ser interior”.[5]  Na teologia reformada, este conceito é um erro, pois a justificação é entendida como uma ação declarativa pela qual o homem é considerado ou declarado justo por Deus por meio da ação meritória de Cristo Jesus na Cruz. 
Os reformadores Lutero e Calvino, assim como, a teologia reformada, entendem que a justificação se dá apenas uma única vez, enquanto a santificação é um processo em que, após a justificação, o crente tem como responsabilidade de buscar um padrão de perfeição, despoluindo-se cada vez mais de suas imperfeições e apresentando uma vida santa ao seu Criador.
O Catecismo Maior em relação a essa problemática levantada pelo Concílio  de Trento, responde a seguinte pergunta: Em que sentido a justificação é diferente da santificação? A resposta adquirida é:

Ainda que a santificação seja inseparavelmente unida com a justificação, contudo elas são diferentes nisto, na justificação, Deus imputa a justiça de Cristo, e na santificação, o seu Espírito infunde a graça e dá forças para ser praticada. Na justificação, o pecado é perdoado, na santificação, ele é subjugado. A primeira liberta de todos os crentes, igualmente, da ira vingadoura de Deus, e isto de maneira perfeita na presente vida, de modo que eles jamais caem na condenação, a segunda não é igual em todos os crentes, e nesta vida não é perfeita em crente algum, todavia sempre avança para a perfeição.[6]

“O conceito romanista sobre a justificação, no entanto, ficou decidido no Concílio de Trento em resposta ao movimento protestante do século XVI”.[7] Para ele, a justificação não se da apenas na imputação da justiça de Cristo, mas que o homem tem o dever de cooperar com essa graça, como se segue:

Se alguém disse que os homens são justificados ou pela imputação da justiça de Cristo somente, ou pela remissão de pecados somente, excluindo a graça e a caridade que é derramada em seus corações pelo Espírito Santo e que permanece neles, ou mesmo que a graça pela qual somos justificados é somente a boa vontade de Deus – que seja ela anátema.[8]

A doutrina de Trento ensinava que a justiça merecida por Cristo deveria ser apoiada pela justiça do próprio pecador que cooperava com a graça. Para este Concílio, o livre arbítrio do homem “é um fator de decisão que leva ao homem à salvação e, consequentemente, à justificação por suas obras caridosas”,[9] escritas na sessão VI em Janeiro de 1547.
Que o homem pode ser justificado diante de Deus por suas próprias obras, as quais são feitas que por força da natureza humana ou pelos ensinos da lei, separadamente da divina graça através de Jesus Cristo. [10]
Ao contrário, o Catecismo Maior de Westminster aborda a questão enfocando que o homem pecador só pode ser justificado mediante a instrumentalidade da fé.

A fé justifica o pecador diante de Deus, não por causa das outras graças que sempre a acompanham, nem por causa das boas obras que são os frutos dela, nem como se a graça da fé, ou qualquer ato dela, lhe fosse imputada para a justificação; mas isto ocorre unicamente porque a fé é o instrumento pelo qual o pecador recebe e aplica a si tanto Cristo como sua justiça.[11]

Neste sentido, o Catecismo Maior responde a pergunta de nº. 71 que a causa instrumental da justificação é a fé, enquanto a causa formal que vem de fora que nos é imputada é a justiça de Cristo. O que leva à seguinte conclusão em resposta ao pensamento de Trento: “A Justificação é um ato da livre graça de Deus”.[12]
A Confissão de Fé de Westminster também apresenta a mesma idéia afirmando que a justificação é um ato da livre graça de Deus, por meio do qual Ele perdoa todos os pecados e aceita como justo a seus olhos aqueles a quem chamou para que, somente pela justiça de Cristo, seja imputada e recebida somente pela fé. “A fé neste caso significa sair do eu, de nossos méritos e enxergar que não temos direitos próprios” [13]Sua justiça, como descreve:

O que Deus chama eficazmente, também livremente justifica. Esta justificação não consiste em Deus em fundir neles a justiça, mas perdoar seus pecados e em considerar e aceitar as suas pessoas como justas. Deus não justifica em razão de quaisquer coisas neles operada ou por eles feita, mas somente em consideração da obra de Cristo; não lhes imputando como justiça a própria fé, o ato de crer, ou qualquer outro ato de obediência evangélica, mas imputando-lhes a obediência e a satisfação de Cristo, quando eles o recebem e de si mesmos, mas como dom de Deus.[14]

Sendo assim, a confissão de Westminster expressa a justificação pela fé numa perspectiva da soberania de Deus, “pois na justificação acontecem duas coisas: a culpa é remida e a justiça é imputada”,[15] neste sentido o Catecismo Maior aborda a justificação como um presente de Deus para os escolhidos. Estas duas obras, que têm um grande valor histórico, acrescentam e muito à teologia reformada, pois ambas abordam as imperfeições humanas no que tange à prática das boas obras para a salvação, e enfatizam que toda boa obra provém inteiramente do Espírito de Cristo, com ela mesma descreve:

A capacidade de fazer boas obras de modo algum provém dos crentes, mas inteiramente do Espírito de Cristo. A fim de que sejam para isso habilitados, além da graça que já receberam, é necessário que recebam a influência efetiva do mesmo Espírito Santo para operar neles tanto o querer como o realizar segundo o seu beneplácito, contudo, não devem tornar negligentes, como se não fossem obrigados a cumprir qualquer dever senão quando movidos especialmente pelo Espírito; pelo contrário, devem esforçar-se por dinamizar a graça de Deus que está neles.[16]

Diferentemente do Concílio de Trento, a Confissão de Westminster aborda que o pecador não faz boas obras para a salvação, porém, as práticas, porque foi habilitado para tais. Isso, no entanto, implica em dizer que é dever e obrigação do pecador justificado exercer a prática das boas obras, não por méritos, mas por obediência de um coração grato ao Senhor como descreve Fl. 2:12 “Assim, pois, amados meus, como sempre obedeceste, não só a minha presença, porém muito mais agora na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor”.
Neste caso, observa-se que as boas obras são questões de obediência e desenvolvimento da salvação que nos foi dado sem mérito algum. Porém, todos aqueles que foram justificados pela fé em Cristo Jesus, foram habilitado para a prática das boas obras, e impulsionados a dinamizar a graça que há nele.[17] Assim sendo, a doutrina reformada apresenta uma fé viva e marcante que é resultado da ação extraordinária de Cristo, e fica evidente e claro, que a fé sempre foi apresentada como um objeto ao invés de sujeito. Ela é um instrumento de que Deus se utiliza para que o pecador esteja respondendo ao chamado eficaz e assim seja considerado como justo para que as obras preparadas antes da fundação do mundo se realizem e se concretizem pra que aos olhos de Deus, se tornem perfeitas em Cristo Jesus.

 Conclusão

A teologia reformada entende que a justificação é um atributo de Deus. E neste caso, ela declara que Ele é quem justifica por intermédio da fé em Cristo Jesus, na qual, é a base para a justificação.
A doutrina da Justificação pela fé segundo a Teologia Reformada, se diferencia entre os conceitos de justificação romanista que entende a justificação como algo que pode ser adquirida por meio das obras. A teologia reformada  vê as obras como sendo nulas para a salvação e entende que todos os que foram justificados, foram habilitados para a prática das boas obras, como sendo, uma manifestação de gratidão ao Senhor.





[1] LEITH, John H. Hendriks. A Tradição Reformada, p.193. A confissão de Westminster foi redigida em 1643 pela assembléia de Clérigos aos quais fora confiada a tarefa de organizar o New Establishment. Em 1869, quando o episcopado foi abolido na Igreja da Escócia, tornou-se o formulário oficial desta Igreja à qual todos os ministros, até 1910, tinham de subscrever. A subscrição é agora feita às “doutrinas fundamentais” da Confissão como um “padrão subordinado” da fé. Esta Confissão ocupa um lugar histórico no presbiterianismo.
[2] A Confissão de Fé de Westminster,  p. 81
[3] WESTMINSTER, op. cit, p. 81
[4] BERKHOF. Louis. Teologia Sistemática. p. 483
[5] CALVINO, APUD. Dr. ARMSTRONG. op. cit., p. 102
[6] Catecismo Maior. 228
[7] CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos – Uma história da Igreja Cristã, p. 286. O Concílio de Trento em 1545 – 1564, tratou de questões como: Autoridade da Bíblia, da Igreja, dos Apócrifos e da Tradição sobre as vidas dos fiéis. Decidiu que o homem é justificado não apenas pela fé, ma também, pelas suas obras, além de confirmar os sete sacramentos e a inefabilidade papal.
[8] SPROUL, R. C. op. cit., p. 35
[9] BETTERNSON, H. Documentos da Igreja Cristã, p. 365 – A Igreja Católica Romana do século XVI opôs-se frontalmente aos ensinos protestantes sobre a justificação da forma como tinham sido desenvolvidos por Lutero e Calvino. Expressou sua oposição especialmente nos Cânones e Decretos da Sexta Sessão do Concílio de Trento. Essa sessão ocorreu em janeiro de 1547.
[10] Idem
[11] Catecismo Maior, p. 223
[12] Ibid., p. 220
[13] WATSON, Thomas. A Fé Cristã, estudos  baseados no Breve Catecismo de Westminster. p. 252
[14] A Confissão de Fé de Westminster – p. 64
[15] WATSON, op.Cit.,  p. 216
[16] Ibid, p. 84
[17] Idem, ibid,. p. 84

Nenhum comentário: