quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A Justificação pela Fé na perspectiva de João Calvino.


Por: Claudio Luis de Souza

Para entender o pensamento de João Calvino em relação a justificação pela fé, é necessário observar pela ótica da soberania de Deus.
Para Calvino, todos os atos na economia da salvação apresentam a vontade soberana de Deus.
Calvino, em suas Institutas, trabalha a justiça de Deus como um ato soberano em conceder graça ao pecador. Ele afirma “que nenhum conhecimento depois da queda valeu para a salvação sem o Mediador, que é cristo que nos leva ao verdadeiro conhecimento para a salvação”.[1] A ênfase estabelecida neste caso, é que somente em Cristo é revelado o verdadeiro conhecimento que resulta na união com o Criador através da fé, como afirma John H. Gerstner “a fé, como a união como Cristo, possui a justiça de Cristo que justifica perfeitamente para sempre”.[2] A fé é um instrumento usado por Deus em conceder graça ao pecador, portanto, todos que crêem se unem a Jesus Cristo em união espiritual, de tal forma que “o pecador não só se torna participante de todos os benefícios, mas também do próprio Cristo”.[3]
“Calvino, foi o grande teólogo do movimento protestante da segunda geração, talvez seja quem nos tem dado as declarações mais claras sobre a sola fides”.[4] Calvino ressalta que a fé é uma vasilha que precisa ser preenchida por Cristo:

“Pois se a fé justificasse por si mesma ou por meio de algum poder intrínseco, por assim dizer, como ela é sempre fraca e imperfeita, ela faria isso só em parte; e assim a justiça que nos conferisse um fragmento da salvação seria defeituosa. Ora, não imaginemos nada assim, mas dizemos que, falando apropriadamente, Deus somente justifica; e então transferimos essa mesma função a Cristo porque ele nos foi dado para justiça. Comparamos a fé a uma espécie de vasilha; porque a não ser que cheguemos vazios e receptivos e com a boca de nossa alma aberta para buscar a graça de Cristo, não somos capazes de receber Cristo. Disso decorre que, ao ensinar que antes de sua justiça ser recebido, Cristo é recebido em fé, não retiramos de Cristo o poder de justificar”.[5]


Neste aspecto, entende-se que Cristo é o único canal de justiça que ministra a perfeita vontade de Deus em levar o homem a à salvação. Portanto, o homem é justificado mediante a fé independente de suas obras que são inúteis para Deus. A problemática encontra-se na condição do homem que, depois da queda, se tornou inútil para com Deus.
Calvino comenta que a raça humana se desviou totalmente do seu Criador. O peado passou a habitar no coração do homem, fazendo-se assim, um fator primordial para a depravação total da raça humana. Com isso, todas as virtudes que haviam no homem foram corrompidas diante da face do Senhor, como afirma em seu comentário aos Romanos:

Portanto o pecado reside em nós, e não na lei. A cauda do pecado consiste no desejo corrupto de nossa carne. Chegamos à consciência dele através de nosso conhecimento da justiça de Deus que nos é declarada na lei. Não devemos chegar a conclusão de que não houve qualquer distinção entre o certo e errado fora do âmbito da lei, senão que à parte da lei nos achamos ou completamente obscurecidos para discernir nossa própria depravação, ou que nos tornamos inteiramente privados de sendo em virtude de nosso envaidecimento.[6]

Com esse pensamento, Calvino enfatiza que as promessas de Deus não podem estar condicionadas ao esforço humano, uma vez que, a natureza decaída do homem o leva a valores que afetam não somente a moralidade, mas também a crença, conforme Rm. 1:18-27.
Portanto, o homem não pode ter qualquer mérito diante de seu Criador, devido à sua pecaminosidade que o afetou por completo e dominou todo o ser, como Calvino mesmo relata nas Institutas:

Pela qual razão, disse eu que desde que Adão se apartou da fonte da justiça todas as partes da alma vieram a ser possuídas pelo pecado. Pois, nem apenas o seduziu um desejo inferiou; ao contrário, a própria cidadela da mente ocupou a nefanda impiedade e ao mais recôndito do coração penetrou o orgulho, de sorte que é improcedente e estulto restringir a corrupção que daí emanou apenas ao que chamam de impulsos sensuais, ou chamar de acendelha que atraia, excite e arraste ao pecado somente a parte que lhes é a sensualidade.[7]

O que Calvino expressa é a atual condição do homem, ou seja, após a queda, todas as faculdades do homem se corromperam e, consequentemente, todo o conhecimento de Deus foi distorcido com a queda, fazendo o homem perder a harmonia com o seu criado. Este processo, no entanto, fez com que o homem se anulasse para com Deus em relação à sua justiça, impossibilitando uma verdadeira adoração e o conhecimento de Deus e de si mesmo.
O entendimento neste caso, é que, “a depravação adâmica se tornou hereditária para toda a raça humana”,[8] de modo que toda a natureza humana se faz condenável à ira de Deus e, consequentemente, todas as obras que o homem possa fazer para com o seu criador “são nulas e que, de fato, resultam em adultérios, fornicações, furtos, ódios, homicídios nas quais chamamos de furtos do pecado”.[9] Sendo assim, a Soberania de Deus intervindo na vida do homem, faz-se necessária para que este tenha a salvação.
Portanto, a queda do homem trouxe uma calamidade na vida em toda a criação, por isso, Deus abomina a iniqüidade. O pecador não pode achar graça em si mesmo enquanto é pecador, porque a salvação é da infinita misericórdia de Deus em cumprir o propósito que estava estabelecido desde a fundação do mundo, cof. Ef. 1:11 “nEle, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as cousas conforme o conselho de sua vontade”.
Nesta linha de pensamento, Calvino é claro quanto a esta questão. Ele ressalta que o ser humano é incapaz de produzir uma justiça propriamente sua que não seja em Cristo. Uma vez que a morte de Cristo é a nossa redenção, como ele expressa em seu comentário aos Gálatas:

Porquanto ele sofreu para conquistá-la para nós; e por que haveríamos de buscar em outra fonte o que nós mesmos podemos nos dar? Se a morte de Cristo é a nossa redenção, então éramos cativos; se ela é pagamento, então éramos devedores; se é expiação, então éramos culpados; se é purificação, então éramos imundos. E assim, em contrapartida, aquele que atribui sua purificação, seu perdão, a expiação, sua justiça ou seu livramento às suas obras, está invalidando a morte de Cristo.[10]

Neste caso, Calvino, ao tratar da justificação, contrapõe-se a todos que tentam invalidar a morte de Cristo como obra expiatória para os nossos pecados, assim, como a eficácia de Cristo em nos manter libertos do pecado através da justificação pela fé somente. Ele faz uma refutação ao pensamento papista do século XVI na insistência de adquirir uma justificação pelas obras.[11] Com isso, Calvino trabalha em defesa da teologia paulina, porque a teologia católica medieval replica os erros judaicos na insistência da salvação pelas obras. Assim, ao tratar a questão das boas obras, ele ressalta “que o ser humano caído não pode fazer o bem que Deus requer”.[12] Segundo ele, as obras não apresentam nenhum mérito a Deus, porque todas as cousas se fizeram inúteis para o Criador. Portanto, quer queira ou não, tudo se poluiu e se corrompeu aos olhos de Deus. Calvino define esta questão em suas Institutas da seguinte forma:

Além disso, irei mais longe: [se,] porventura, haja qualquer obra que de nenhuma impureza ou imperfeição mereça ser argüida. E como haveria [obra tal] diante desses olhos aos quais nem estrelas são suficientemente puras [Jó. 25.5], nem anjos suficientemente justos? [Jó. 4.18]. Destarte, será [ele] compelido a conceder que nenhuma boa obra exista que não haja sido poluída não só de transgressões a si apostas, como também de sua própria corrupção, de sorte que não tenha a honra de justiça.[13]

Calvino entende que só pela união em Cristo as nossas obras são justificadas e passando assim a ter algum valor.
As boas obras no pensamento de Calvino são umas expressões de gratidão para com Deus e através deste pensamento, Calvino ofereceu grandes contribuições à teologia reformada ou calvinista. “A sua maior contribuição foi as Institutas”[14] Sob sua liderança, “Genebra tornou-se uma inspiração e um modelo aos de fé reformada de outros lugares em um refúgio para os perseguidos por causa da fé reformada”.[15]


[1] CALVINO, João. As Institutas, Vol. II, p. 102
[2] GERSTNER, Dr, John H. Justificados pela Fé Somente. p.95. em Cláudio Antônio Batista (editor).
[3] CALVINO, APUDD. MCGRATH, Alister. A vida de João Calvino, p. 193
[4] ARMSTRONG, Dr. Jonh. op.cit., p. 101
[5] ARMSTRONG. op. Cit., 102
[6] CALVINO, João. Comentário à Sagrada Escritura Exposição de Romanos – p. 235
[7] CALVINO. op.cit., Vol. II, p.11
[8] CALVINO. op. cit., Vol. II, p. 07
[9] Idem, Ibid, p.10
[10] CALVINO, João . Comentário aos Gálatas. p. 78
[11] CALVINO. Institutas. Vol. III, p. 261
[12] Idem, p. 55
[13] Idem, Ibid. p. 276
[14] CAIRNS, E. Earle. O Cristianismo Através dos Séculos. p. 254
[15] Idem.


Referências Bibliograficas

CALVINO, J. As Institutas ou Tratado das Religiões Cristãs. Tradução de Waldir Carvalho Luz. CEP S/C, Volume II São Paulo, SP. 1982, 445 pp.
CALVINO, J. As Institutas ou Tratado das Religiões Cristãs. Tradução de Waldir Carvalho Luz. CEP S/C, Volume III São Paulo, SP. 1989, 727 pp.
CALVINO, J. Gálatas. Tradução Valter Graciano Martins. São Paulo: Editora Edições Paracletos, 1998. 192pp
CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos – Uma história da Igreja Cristã. Tradução Israel Belo Azevedo. 2ª ed. São Paulo:1998. 328 pp.

Justificados pela Fé Somente. Trad. Hope Gordon. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1995. 143 pp.

Nenhum comentário: