sábado, 24 de setembro de 2011

O Conhecimento de Deus


A sabedoria integral está no conhecimento de Deus e do homem [1536] A soma total da nossa sabedoria, a que merece o nome de sabedoria verdadeira e certa, abrange estas duas partes: o conhecimento que se pode ter de Deus, e o de nós mesmos. [1539].
Quanto ao primeiro, deve-se mostrar não somente que há um só Deus, a quem é necessário que todos prestem honra e adorem, mas também que ele é a fonte de toda verdade, sabedoria, bondade, justiça, juízo, misericórdia, poder e santidade, para que dele aprendamos a ouvir e a esperar todas as coisas. Deve-se, pois, reconhecer, com louvor e ação de graças, que tudo dele procede.
Quanto ao segundo, revela a nossa ignorância, miséria e maldade, induz-nos à humildade, à não confiança própria e ao desprezo de nós mesmos; inflama em nós o desejo de buscar a Deus, certos de que nele repousa todo o nosso bem, do qual nos vemos vazios e desnudos.
Ora, não é fácil discernir qual dos dois precede o outro e o produz. Porque, visto que o homem está repleto de qualidade indignas, mal nos contemplamos e tomamos conhecimento das nossas péssimas condições, e de imediato elevamos os olhos a Deus para que dele venha um pouco de conhecimento a seu respeito. Assim, graças ao sentimento que temos da nossa pequenez, da nossa insensatez e vaidade, e mesmo da nossa perversidade e corrupção, reconhecemos que a verdadeira grandeza, sabedoria, verdade, justiça e pureza estão em Deus.
Finalmente, somos impedidos por nossas maldades e fraquezas de considerar os bens do Senhor, e não podemos sequer aspirar com amoroso empenho aos bens divinos, enquanto não começarmos a ficar aborrecidos com nós mesmos. Pois, qual dos homens não descansa em si mesmo e em si mesmo não tem prazer? Quem não descansa desse modo e durante todo o tempo em que não se conhecendo bem mostra-se satisfeito com as suas capacidades e ignora as suas miseráveis condições? Porquanto, cada um de nós não somente é instigado pelo conhecimento de si próprio a buscar a Deus, mas é como que levado pela mão ao seu encontro.

João Calvino, Instituta da Religião, capítulo 01

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