quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Arrependimento

Os que julgam que o arrependimento precede à fé, e não que dela procede, são movidos a
isso por uma razão muito superficial. Cristo, dizem eles, e João Batistas, em seus sermões,
exorta primeiro ao arrependimento e depois dizem que o reino de Deus está próximo. Essa
instrução, dizem eles, é baixada aos apóstolos, e essa ordem de fatores é seguida pelo
apóstolo Paulo, nos termos em que é citado pelo evangelista Lucas. Mas eles ficam
supersticiosamente presos à ordem das sílabas; não levam em conta o propósito das
sentenças e como são colocadas juntas. Porque, quando Jesus Cristo e João batista fazem
esta exortação, “Arrependi-vos, porque está próximo o reino dos céus”, não deduziram
que a causa do arrependimento está no fato de que Jesus Cristo nos oferece graça e
salvação? Por isso, aquelas palavras valem como se eles tivessem dito: “Visto que o reino
dos céus está próximo, arrependei-vos”. O próprio apóstolo Mateus, tendo citado essa
pregação de João Batista, registra que com ela se cumpriu a profecia de Isaías [Mt 3.2,3]
referente à “Voz do que clama no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor; endireitai no
ermo vereda a nosso Deus’.”[Is 40.3] Ora, a ordem do profeta é que a voz deveria começar
por consolações e por notícia alegre. Não obstante, quando dizemos que a origem do
arrependimento está na é, não temos a intenção de dizer que haja algum intervalo de
tempo no qual ele deixe de ser gerado, mas queremos dizer que o homem não pode aplicarse
retamente ao arrependimento se não reconhecer que pertence a Deus. Ora, ninguém
pode concluir que pertence a Deus, a não ser que primeiro tenha reconhecido a sua graça.
Mas estas coisas serão mais claramente deduzidas conforme avançarmos neste estudo.

João Calvino

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